Vitiligo | O Que É E Como Viver Com Ele?
Hoje venho falar-vos de mais uma doença de pele - vitiligo.
Provavelmente já ouviram falar desta doença ou já ouviram o nome , mas não associam ao "aspecto" da mesma, ou então já viram alguém com estas características e nunca souberam o nome da doença que esse alguém tem.
Este texto vai ter duas partes: inicialmente, vou dar-vos a conhecer o vitiligo: o que é, quais as características; e numa segunda parte, vão ler o testemunho do Diogo Martins, chef de cozinha, algarvio, que tem vitiligo e aceitou o meu convite para participar neste texto e dar a conhecer a sua história. Posso já adiantar-vos que é um texto com uma carga emocional "qb". Eu só conheço o Diogo pelo Instagram mas, depois destas suas palavras, admiro mais a sua coragem e força interior.
O que é o vitiligo?
Trata-se de uma despigmentação da pele localizada ou difusa, caracterizada por manchas de pele branca bem delimitadas e com tendência para a simetria. Surge em qualquer idade, embora com menos frequência no adulto jovem e estima-se que apenas 3% da população mundial tenha vitiligo. A sua evolução é extremamente variável, quer quanto à idade, número de "lesões" e progressão.
Quais as localizações e causas?
Manifesta-se com maior frequência nos contornos dos orifício naturais, dorsos das mãos, extremidades dos dedos e locais submetidos a atrito prolongado (por exemplo, por peças de vestuário). As lesões resultam da ausência parcial ou total dos melanócitos - células responsáveis pela produção da melanina. A causa desta doença ainda é desconhecida, sendo a hipótese auto-imune aquela que reúne mais consenso. Em cerca de um terço dos casos observa-se uma incidência familiar.
Depois de vos dar a conhecer um pouco sobre esta doença de pele (não abordei a parte do tratamento, para não ficar um texto demasiado extenso), eis que temos o testemunho do Diogo. Espero que gostem!
NOTA: as fotografias em que o Diogo aparece são da autoria do fotógrafo Fábio Martins para a agência Step by Step.
Quando descobriste (ou deste conta) que tinhas vitiligo?
Esta minha história com o vitiligo começou por volta dos 12 anos - aquela fase em que começamos a crescer um pouco mais rápido, a sentir cada mudança no nosso corpo e a observar de forma curiosa tudo o que nos vai aparecendo.
A minha primeira manchinha apareceu-me no olho esquerdo. Naquela altura dei muito pouca atenção, por não saber do que se tratava, esperando que um dia ela voltasse a ser como era, mas não voltou. Ao longo dos anos, foi-se desenvolvendo e, quando se tornou mais evidente, fui ao médico e foi-me diagnosticada esta patologia rara que apenas 3% da população mundial possui.
Foi difícil para ti aceitar que tinhas vitiligo?
Passei algum tempo a pensar na melhor forma de responder a esta pergunta. O vitiligo não se tornou só parte do que sou fisicamente. Marcou-me de todas as formas inimagináveis, quer em aspectos bons, quer nos menos bons. Vou responder da melhor forma que consigo, abrindo-me a 200% e da forma mais honesta e nua possíveis.
Se tenho medo de "lançar" o meu corpo ao mundo? Tenho. Acho que vai existir sempre um "nervoso miudinho" cada vez que enfrentar "de frente" e sem tabus estas manchinhas que me caracterizam. Perguntam-me, muitas vezes, se tenho medo dos comentários negativos, dos olhares carregados, do julgamento. Tenho sim, caso contrário, não seria humano.
Acordar de manhã e ver o meu reflexo sempre foi um desafio. Sabia que, todos os dias, algo iria estar diferente. Sabia que o meu corpo estava a mudar mais depressa do que a minha mente conseguia acompanhar. Cada mancha, cada lágrima, cada suspiro faziam parte de um processo longo de aceitação que teimava em não chegar. Todas as manhãs chorava, tomava um banho, cobria o máximo que conseguia do meu corpo com roupa, fosse Verão ou Inverno, e vestia um dos sorrisos que ia encontrando pela casa.
Foram anos de luta, anos de relações falhadas, de dias "cinzentos" e de olhares pesados. Anos rodeados de amor, carinho e, mesmo assim, sentindo apenas solidão. Por isso, respondo que sim, foi muito difícil aceitar.
Alguma vez te sentiste diferente por teres a doença que tens? Já te sentiste uma pessoa estranha ou "de fora" dos demais?
No início não dei muita importância às manchinhas que iam aparecendo discretamente, mas, à medida que ia crescendo e elas iam aumentando, comecei a sentir uma revolta enorme dentro de mim. Toda a mudança que sofri criou em mim um turbilhão de sentimentos (na maioria, negativos), porque achava que não era justo ser eu o "escolhido" para carregar algo tão "pesado" para o resto da vida.
O vitiligo mudou a forma como eu vivia, como me relacionava com os outros, como eu próprio me via e claro que todo esse processo, ano após ano, fez com que fossem criadas barreiras a muitos níveis. A minha auto-estima era baixa, e eu era o primeiro a baixa-la sem dar conta. Reduzia o meu grupo de amigos com medo de não ser aceite, exactamente por me sentir diferente, estranho e, por muito duro que fosse sentir-me sozinho, preferia isso ao medo de ser "posto de parte".
Agora, mais maduro, mais conhecedor e mais forte psicologicamente, consigo perceber que tudo aquilo não passou de uma fase de fortalecimento pessoal. Embora pudesse ter sido mais fácil, nunca gostei de atalhos e este caminho de aceitação foi longo, mas valeu todo e qualquer sofrimento.
Sentia-me diferente, estranho e "fora da caixa", mas hoje consigo perceber o quanto isso é bom, o quanto isso nos faz ser melhores pessoas e ver o mundo com mais amor, carisma e humildade. Consigo perceber que todas aquelas lições serviram para eu conseguir ensinar a outros o significado de ser feliz, sendo único.
Já te discriminaram ou sofreste bullying por causa do vitiligo?
Sim. Ao longo da minha vida fui-me cruzando com algumas pessoas menos conhecedoras do vitiligo e outras conhecedoras, mas de mau carácter. Sabemos que as crianças, por vezes, são curiosas e, de certa forma, não têm filtros nas coisas que dizem, pois não lhes é ensinado as consequências das palavras no futuro de outra criança.
Na escola sempre tive um grupo muito bom de amigos. Pessoas que me ajudaram a aceitar, que me defendiam e apoiavam, mas também havia muitos outros que eram mais cruéis. Passaram-se uns bons anos e existem palavras e frases que irei levar comigo durante mais uns tantos anos. Frases que me marcaram de forma muito negativa, na altura.
Ouvia coisas como "Puto! Estás todo cancerígeno, chega-te para lá!", "Olha, lá vem o malhadinho. Deve fazer parte dos dálmatas", "Não quero brincar contigo. Não quero ficar como tu!". Estas foram algumas das que guardei na memória.
Em adulto, também tenho algumas más experiências, mas aqui acho que já é falta de conhecimento, carácter e humanidade. Lembro-me de ir à praia e um grupo de rapazes ficar a comentar e a gozar com o facto de eu ter algumas manchas no corpo. Lembro-me de situações em que ia com a minha namorada na rua e as pessoas ficavam a olhar fixamente e a comentar como se de uma aberração se tratasse.
E um dos episódios que também guardo é o de estar a fazer um salada para uma senhora numa cozinha aberta, ou seja, uma cozinha em que as pessoas nos vêem a preparar os alimentos, e a senhora devolver a salada e pedir para que fosse outra pessoa a fazer, pois não queria que eu tocasse nos alimentos que ela ia consumir.
Isto é apenas uma pequena parte do que vivi em relação à discriminação e ao preconceito devido ao vitiligo. Como podem imaginar, viver tudo isto à medida que crescemos, na fase em que estamos a criar uma personalidade, uma forma de ver a vida, não traz quaisquer benefícios.
Cresci de forma revoltada, tudo para mim era mau. Gostava das pessoas, mas não sabia bem mostrar como. Era 8 ou 80, porque na minha adolescência não houve meio-termo. Fui obrigado a crescer demasiado rápido, de forma áspera e dura. Sentia-me incompreendido e sim, tinha e tenho a noção de que muitas pessoas não percebem o porquê da minha forma de ser, das atitudes que tomei e não posso julga-las por isso. Afinal, quem estava na minha pele era eu e só eu conseguia sentir.
O que é que podes dizer a quem tem vitiligo?
À medida que fui crescendo, aprendi a confiar nas boas energias que me rodeavam: pessoas de bom coração, olhares sinceros, abraços sentidos. Foi esse o ponto de viragem. Comecei a sentir o meu corpo como se da minha casa se tratasse. Um corpo é apenas isso, um corpo, e todo ele tem a sua beleza. Estrias, manchas, sardas, cabelos brancos, isso tudo faz parte do que é ser humano.
Não se escondam por ter uns quilinhos a mais. Não se escondam por terem sardas. Não deixem as ideias pré-concebidas da sociedade derrubar o sorriso que carregam. Não se magoem, tentando mudar o que são. Nós somos feitos de carácter, personalidade, bondade e tantas outras coisas que nos fazem ser "perfeitos" com as nossas imperfeições, e o respeito por nós é do melhor que podemos ter.
Acreditem que, quando nos aprendemos a amar, somos muito mais capazes de amar e ajudar os outros.
Bem, que exemplo de coragem este do Diogo. Obrigado, Diogo, por teres aceite o meu convite em participar neste meu texto. Que este texto sirva de exemplo para desmistificar algumas ideias pré-concebidas por parte da sociedade relativamente ao vitiligo, nomeadamente ao facto de esta não ser uma doença infecto-contagiosa.
Excelente testemunho. Muito bom mesmo a a descomplicara algo que infelizmente é visto de forma muito negativa. Tenho um bom amigo a quem recentemente lhe foi diagnosticado esta mesma doença e com 35 anos tem sido complicado para ele pelo que estou certo que este texto será uma enorme ajuda. Um abraço a todos!
ResponderEliminarObrigado pelo comentário. Um dos objectivos deste texto era mesmo esse: descomplicar e tentar ajudar quem tenha a doença e não a esteja a aceitar bem.
EliminarO que falar, que coragem dele em falar um pouco desse problema de pele, posso dizer que 14 anos também descobri que me foi aparecendo umas leves manchas brancas no rosto, onde fiz tratamento, mas o que me lembro é que na altura aceite e como ainda hoje aceito, pois e algo que faz parte de mim e tenho de conviver com ela, apesar de não se notar muito, pois a minha acabou por mão alastra muito.
ResponderEliminarGostei de conhecer o testemunho dele
parabéns
Beijinhos
Novo post
Tem post novos todos os dias
Sim, há que parabenizar a coragem do Diogo em dar a cara e contar a sua história. Sem dúvida, uma atitude admirável.
EliminarÉ um testemunho impressionante! Mas é bom quando há pessoas como o Diogo que aceitam falar sobre as situações, não só para ajudar a desmistificar, como também para demonstrar que há sempre alguém que nos compreende
ResponderEliminarSem dúvida. Esse foi um dos meus objectivos com este texto. Esse e quebrar a ideia pré-concebida de que vitiligo é uma doença infecto-contagiosa e que uma pessoa fica com a doença só por tocar num portador. Vê o exemplo da senhora que devolveu a salada. A ignorância e preconceito falaram mais alto nesta situação, infelizmente.
EliminarNão tinha conhecimento desta doença, tipo já vi pessoas com isso mas pensava que era apenas manchas
ResponderEliminarBeijinhos :*
omundodapequeninaaa.blogspot.com
Aqui tens a explicação da doença e, tipo, como é viver com ela.
EliminarConheço e de bem perto. A minha mãe tem e hoje em dia está praticamente toda branquinha :) Acho que comparado a antigamente a desinformação continua igual. Sofreu comentários semelhantes aos do Diogo, como "olha ali vai malhadinha". É triste esta sociedade. Os meus avós correram tudo nos médicos, mas antigamente não encontraram solução. Hoje ela está praticamente de uma só cor como ficou o Mickael Jackson.
ResponderEliminarÓtimo texto. Parabéns.
https://cristianalifestyle.blogspot.com/
Infelizmente, existem (e vão continuar a existir) pessoas com mau carácter e falta de informação que levam a que sejam ignorantes e pronunciem esse tipo de comentários. O objectivo deste texto (e da sua divulgação ontem) era sensibilizar as pessoas para a doença e explicar o que é e como é possível viver. O testemunho do Diogo foi impressionante!
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